Lei n° 9.434 de 4 de Fevereiro de 1997.Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências.O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1o. A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo.
Art. 2o. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema único de Saúde.
Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos para a triagem de sangue para doação, segundo dispõem a Lei n" 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e regulamentos do Poder Executivo.
CAPÍTULO II
DA DISPOSIÇÃO POST MORTEM DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE
Art. 3o. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
§ 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que tratam os arts. 2º, Parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º, 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º; e 10º, quando couber, e detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos.
§ 2o. As instituições referidas no art. 2º enviarão anualmente um relatório contendo os nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do Sistema Único de Saúde.
§ 3º Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica.
Art. 4º Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem.
§ 1º A expressão "não-doador de órgãos e tecidos" deverá ser gravada, de forma indelével e inviolável na Carteira de identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação da pessoa que optar por essa condição.
§ 2º A gravação de que trata este artigo será obrigatória em todo o território nacional a todos os órgãos de identificação civil e departamentos de trânsito, decorridos trinta dias da publicação desta Lei.
§ 3º O portador de Carteira de Identidade Civil ou de Carteira Nacional de Habilitação emitidas até a data a que se refere o parágrafo anterior poderá manifestar sua vontade de não doador de tecidos, órgãos ou partes do corpo após a morte, comparecendo ao órgão oficial de identificação civil ou departamento de trânsito e procedendo à gravação da expressão "não-doador de órgãos e tecidos".
§ 4º A manifestação de vontade feita na Carteira de Identidade Civil ou na Carteira Nacional de Habilitação poderá ser reformulada a qualquer momento, registrando-se, no documento, a nova declaração de vontade.
§ 5º No caso de dois ou mais documentos legalmente válidos com opções diferentes, quanto à condição de doador ou não, do morto, prevalecerá aquele cuja emissão for mais recente.
Art. 5º A remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais ou por seus responsáveis legais
Art. 6º É vedada a remoção post morrem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas.
7º (VETADO)
Parágrafo único. No caso de morte sem assistência médica, de óbito em decorrência de causa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de verificação da causa médica da morte, a remoção de tecidos, órgãos ou partes de cadáver para fins de transplante ou terapêutica somente poderá ser realizada após a autorização do patologista do serviço de verificação de óbito responsável pela investigação e citada em relatório de necrópsia.
Art. 8º Após a retirada de partes do corpo, o cadáver será condignamente recomposto e entregue aos parentes do morto ou seus responsáveis legais Para sepultamento.
CAPÍTULO III
DA DlSPOSlÇÃO DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO VIVO PARA FINS DE TRANSPLANTE OU TRATAMENTO
Art. 9o. É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos ou partes do próprio corpo vivo para fins de transplante ou terapêuticos.
§ 1º - (VETADO)
§ 2º - (VETADO)
§ 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora.
§ 4º O doador deverá autorizar, Preferencialmente por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada.
§ 5º A doação poderá ser revogada Pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização.
§ 6º O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde.
§ 7º É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à sua saúde ou ao feto.
§ 8º O auto transplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente incapaz, de um de seus pais ou responsáveis legais.
CAPÍTULO IV
DAS DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES
Art.- 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento.
Parágrafo único. Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais.
Art. 11. É proibida a veiculação, através de qualquer meio de comunicação social de anúncio que configure:
a) publicidade de estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos, relativa a estas atividades;
b) apelo público no sentido da doação de tecido, órgão ou parte do corpo humano para pessoa determinada, identificada ou não, ressalvado o disposto no parágrafo único;
c) apelo público para a arrecadação de fundos para o financiamento de transplante ou enxerto em beneficio de particulares.
Parágrafo único. Os órgãos de gestão nacional, regional e local do Sistema Único de Saúde realizarão periodicamente, através dos meios adequados de comunicação social campanhas de esclarecimento público dos beneficies esperados a partir da vigência desta Lei e de estímulo à doação de órgãos.
Art. 12. (VETADO)
Art. 13. É obrigatório, para todos os estabelecimentos de saúde, notificar, às centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos da unidade federada onde ocorrer, o diagnóstico de morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos.
CAPÍTULO V
DAS SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS
Seção I
Dos Crimes
Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa de 100 a 360 dias-multa.
§ 1º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e muita, de 100 a 150 dias-multa.
§ 2º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido:
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - perigo de vida,
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa de 100 a 200 dias-multa.
§ 3º Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido:
I - incapacidade permanente para o trabalho;
II - Enfermidade incurável;
IIII - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa de 150 a 300 dias-multa.
§ 4º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte:
Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.
Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou panes do corpo humano:
Pena- reclusão, de três a oito anos, e multa de 200 a 360 dias-multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação.
Art. 16. Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei.
Pena-reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.
Art. 17. Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei:
Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, de 100 a 250 dias-multa.
Art. 18. Realizar transplante ou enxerto em desacordo com o disposto no art. 10 desta Lei e seu parágrafo único:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Art. 19. Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Art. 20. Publicar anúncio ou apelo público em desacordo com o disposto no art. 11:
Pena - multa, de 100 a 200 dias-multa.
Seção II
Das Sanções Administrativas
Art. 21. No caso dos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16 e 17, o estabelecimento de saúde e as equipes médico cirúrgicas envolvidas poderão ser desautorizadas temporária ou permanentemente pelas autoridades competentes.
§ 1º Se a instituição é particular, a autoridade competente poderá multá-la em 200 a 360 dias-multa e, em caso de reincidência, poderá ter suas atividades suspensas temporária ou definitivamente, sem direito a qualquer indenização ou compensação por investimentos realizados.
§ 2º Se a instituição é particular, é proibida de estabelecer contratos ou convênios com entidades públicas bem como se beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista, pelo prazo de cinco anos.
Art. 22. As instituições que deixarem de manter em arquivo relatórios dos transplantes realizados, conforme o disposto no art. 3º, § 1º, ou que não enviarem os relatórios mencionados no art. 3º, § 2º, ao órgão de gestão estadual do Sistema Único de Saúde, estão sujeitas a multas de 100 a 200 dias multa.
§ 1º Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que deixar de fazer as notificações previstas no art. 13.
§ 2º Em caso de reincidência, além de multa, o órgão de gestão estadual do Sistema Único de Saúde poderá determinar a desautorização temporária ou permanente da instituição.
Art. 23. Sujeita-se às penas do art. 59 da Lei n.º 4.117, de 27 de agosto de 1962, a empresa de comunicação social que veicular anúncio em desacordo com o disposto no art. 11.
CAPÍTULO VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 24. (VETADO)
Art. 25. Revogam-se as disposições em contrário, particularmente a Lei n.º 8.489, de 18 de novembro de 1992, e o Decreto n.º 879, de 22 de julho de 1993.
Brasília, 4 de fevereiro de 1997.
Fernando Henrique Cardoso
Nelson A. Jobim
Carlos César de Albuquerque